Vida & Obra


Cyro Martins

Nasceu em 1908, em Quaraí, Rio Grande do Sul, filho de Apolinário e Felícia dos Santos Martins. Em 1917, freqüenta o Colégio Municipal e recebe aulas do professor Caravaca, personagem em Rodeio e O professor. Em 1920, deixa a Campanha e vem para o internato do então Ginásio Anchieta, em Porto Alegre, vivência imortalizada em Um menino vai para o colégio.

Escreve seus primeiros artigos e contos aos 15 anos. Em 1928, com 19 anos, ingressa na Faculdade de Medicina de Porto Alegre. Retorna a Quaraí em 1934, já formado, para fazer a “prática da medicina”, como dizia, sobretudo nos bairros e vilas da cidade. Nesse mesmo ano estréia com Cam­po fora (contos), impregnado do imaginário da Campanha e da Fronteira. Morre seu pai, Bilo Martins.

Em 1935, se casa com Suely de Souza e utiliza, em conferência, pela primeira vez, o termo gaúcho a pé, origem e leitmotiv de sua trilogia (Sem rumo, Porteira fechada, Estrada nova). Em 1937, vai estudar neurologia no Rio de Janeiro, onde publica Sem rumo, pela Ariel, primeiro romance da trilogia do gaúcho a pé. Em 1938, já em Porto Alegre, presta concurso para o setor de Psiquiatria do Hospital São Pedro e, no ano seguinte, participa da fundação da Sociedade de Neurologia, Psiquiatria e Medicina Legal no Hospital São Pedro e vê publicado seu romance Enquanto as águas correm, pela Globo. Também abre seu primeiro consultório. Mensagem errante surge em 1942, em plena II Guerra Mundial e, em 1944, Porteira fechada, segundo romance da trilogia do gaúcho a pé.

Em 1949, se casa com Zaira Mene­ghello. Dois anos após, vai fazer sua formação psicanalítica em Buenos Aires. Em 1954, aparece o terceiro romance da trilogia do gaúcho a pé, Estrada nova, que a crítica literária do Rio Grande do Sul elegeu como o melhor e mais sólido romance do autor. Em 1955, retorna de Buenos Aires, já como membro da Associação Psicanalítica Argentina. Traz a Porto Alegre, entre outros, o analista argentino Arnaldo Rascovsky, de quem se tornara amigo, para debates sobre psicoterapia analítica de grupo. Em 1957, é eleito presidente da Sociedade de Neurologia, Psiquiatria e Neuro­cirurgia, quando inicia sua atividade como professor no Instituto de Psicanálise. Ainda nesse ano sai Paz nos campos, reunindo contos e novelas que depois ele desdobrará em outras publicações.

De 1958 a 1964 tem vários trabalhos científicos traduzidos para o espanhol e para o alemão. Nos anos seguintes lança Do mito à verdade científica (1964), A criação artística e a psicanálise (1970), Perspectivas do humanismo psicanalítico (1973), Orientação educacional e profilaxia mental (1974), Rumos do humanismo médico contemporâneo (1977), revelando-se um homem de ciência voltado para os problemas sócio-culturais do seu tempo. Volta ao conto em A entrevista (1968) e em Rodeio (estampas e perfis) (1976) recria o mun­do da infância e adolescência na Campanha. Seus amigos escritores têm a obra analisada em Escritores gaúchos (1976). Em 1978, é homenageado por amigos, médicos, escritores e historiadores pela passagem dos seus 70 anos. As revoluções de 1893 e 1923 servem de pano de fundo para o romance Sombras na correnteza (1979), em que homenageia seu pai Bilo Martins, transformando-o em personagem como dono de um boliche de beira de es­tra­da. Continua alternando publicações de caráter científico e literário. Em 1979, coordena e é co-autor de Perspectivas da relação médico-paciente.

Em 1980, publica A dama do saladeiro (contos). Já a novela O príncipe da vila (1982) configura um salto ontológico em sua obra, enquanto os ensaios de O mundo em que vivemos (1983) e A mulher na sociedade atual (1984) mostram o ensaísta preocupado com problemas nucleares de nosso tempo, em que sobressaem a situação, a condição e o papel da mulher na sociedade atual. A revolução de 1930 é revisitada com um olhar irônico no romance Gaúchos no obelisco (1984). Já no romance Na curva do arco-íris (1985) convivem o analista e o ficcionista: o social, o histórico e a introspecção se fundem de modo admirável. Foi homenageado especial da 32ª Feira do Livro de Porto Alegre em 1986. Ao completar 80 anos, seu esplendor criativo se mostra no romance O professor (1988), em que o poeta simbolista Alceu Wamosy aparece como personagem em plena Revolução de 1923. Ainda em homenagem aos seus 80 anos, um grupo de amigos lança o Prêmio Literário Cyro Martins que, já em 1990, premia Petrona Carrasco, de Valter Sobreiro Júnior.


Em 1990 realiza seu incomum livro de memórias, em parceria com Abrão Slavutzky, Para início de conversa. E, em 1991, seu último trabalho de ficção, a novela Um sorriso para o destino. Ainda publicaria uma série de ensaios psicanalíticos, em Caminhos (1993) e, quando seria de esperar que falasse de si mesmo, surpreende discorrendo sobre seus amigos poetas, pintores e ficcio­nistas, em Páginas soltas (1994).


A vida deu-lhe cancha para reformular, com seu editor, toda a sua obra de ficção e ciência, antes de falecer em 15 de dezembro de 1995, em Porto Alegre.

Até seus últimos momentos foi estóico, solidário, generoso e, apesar das circunstâncias, preocupado com os outros, lembrando aquela sua frase inesquecível: “Mas o ideal mesmo é a gente não se sentir jamais em fim de festa e experimentar o gosto de viver no devir do dia-a-dia, infinito recomeçar da criação”.

Zaira Meneghello, sua mulher, e os filhos Maria Helena, Cecília e Cláudio, acompanhados por amigos, médicos e escritores, instituíram em novembro de 1997, o Centro de Estudos de Literatura e Psicanálise Cyro Martins, que vai cuidar da vasta obra que Cyro Martins nos legou e promover estudos a partir dela. É como se estivéssemos cumprindo a tarefa que ele, entre amável e irônico, costumava vaticinar para sua filha Maria Helena: “Não se preocupe: se ocupe”. (Texto de Carlos Jorge Appel publicado em Você deve desistir, Osvaldo)

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