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Entrevista exclusiva com o jornalista Sílvio Lancellotti, autor de Honra ou Vendetta

10/04/2009

- Por L&PM Editores

Sílvio Lancellotti é jornalista, escritor, romancista e gourmet. Descendente de italianos, trabalhou em algumas das maiores redações jornalísticas do país, como as das revistas Playboy e Veja.

Com larga experiência na crônica gastronômica, é autor de 100 receitas de carnes, 100 receitas de macarrão, 100 receitas de patisseria, 100 receitas de pescados, 160 receitas de molhos, 500 anos de gastronomia em Terra Brasilis, Cozinha clássica e O livro do macarrão. Sílvio escreve como cozinha, e faz as duas coisas da mesma forma que fala: encantando seus convidados. Percorrer as páginas de seus livros é mais do que leitura, é uma degustação.

Em 2001, o jornalista estreou como autor de ficção com o romance Honra ou Vendetta, um dos grandes lançamentos daquele ano. Falando sobre máfia e narcotráfico – temas de grande atualidade – e escrito num ritmo alucinante, o livro mergulha no áspero mundo da máfia, em um roteiro de muito suspense e ação, no qual se constrói um amplo dossiê da Cosa Nostra, uma das organizações criminosas mais poderosas da atualidade.

Em entrevista a L&PM Editores, Lancellotti falou sobre sua carreira de jornalista, sua experiência como gourmet internacionalmente renomado, a adaptação de Honra ou Vendetta para a televisão e seu novo romance, Vendetta, só!.

L&PM – A sua história como jornalista se confunde com a história de alguns grandes veículos da imprensa brasileira, como Veja, por exemplo. Conte-nos um pouco sobre sua atuação como jornalista.

Sílvio Lancellotti – Na realidade, eu me formei em Arquitetura. Mas, virei jornalista, em 1968, fascinado pelo projeto de uma publicação inusitada no Brasil, sequer sabia o seu título – só depois de meses de treinamento eu descobri que se chamaria Veja, a primeira semanal de informação do País. Comecei, na Veja, ainda na fase de números zeros, antes do seu lançamento, como sub-editor de “Internacional”, Cuidava das áreas de Estados Unidos, Guerra do Vietnam e África. Nos zeros, escrevi matérias sobre os assassinatos de Martin Luther King e de Bobby Kennedy. Depois, com a Veja nas bancas, sobre a primeira eleição de Richard Nixon à presidência dos EUA. Pela revista, também cobri golpes de estado na América Latina, o conflito de Biafra – e, insolitamente, a Copa de 70, que a seleção do Brasil venceu, no México. Então, em 72, ganhei uma bolsa para estudar na Universidade de Stanford, Califórnia, e cobri a re-eleição de Nixon. Quando voltei ao Brasil, em 73, me tornei editor de “Artes & Espetáculos” e, paralelamente, virei diretor dos programas “Informação:” e “Série Documento”, premiadíssimos, na Rede Bandeirantes. Eu trabalhava como um danado – mas, adorava o que fazia. Daí, atravessei anos de combate à ditadura militar e à censura. E, depois da morte de Vlado Herzog, quando Mino Carta, que dirigia Veja, saiu da revista, retornei à Arquitetura. Como dispunha de tempo, aceitei um convite de Luís Carta, irmão do Mino, para dirigir a revista Vogue. E, em 77, quando o Mino inventou a revista Istoé, imediatamente aderi à sua causa. Na Istoé eu passei os melhores anos da minha vida, uma batalha inesquecível pela liberdade. Daí, a bola de neve me conduziu à Folha de S. Paulo etcetera tal. História longa...


L&PM O senhor é um gourmet reconhecido nacionalmente. Manteve programas na televisão e é autor de inúmeros livros sobre o assunto. Como começou a sua paixão pela gastronomia?

Sílvio Lancellotti – Nacionalmente? Desculpe a ausência de modéstia, internacionalmente. Nos meus quase 65 anos, posso me permitir um lampejo de vaidade. Meu pai, Edoardo, foi um grande cozinheiro de fim-de-semana, e me ensinou as bases da Gastronomia. Desde a minha adolescência eu já brincava com as panelas. Mas, paralelamente a Vogue, para o Luís Carta, toquei a revista Gourmet, e profissionalizei o hobby. Escrevi, sobre comida e sobre restaurantes, na Folha, no Estadão, e lancei o meu primeiro opúsculo, perdão, O livro dos molhos, em 84. Daí, de novo a bola de neve. Passei a ancorar programas de TV, em diversas emissoras, viajei o mundo, realizei eventos de Gastronomia do Peru ao Japão, das Bermudas à Itália, dos EUA à Suécia. Em 86, cheguei a treinar, por convite dos monarcas Carlos Gustavo e Sylvia Renata, os “chefs” do seu palácio real, em Estocolmo.

L&PM O seu nome está também muito ligado a Itália e especialmente ao futebol italiano. Mesmo antes do advento da internet, o sr. já espantava os telespectadores com minuciosas informações sobre os jogos, atletas e peripécias do futebol italiano. De onde vem este conhecimento todo?

Sílvio Lancellotti – Meu filho mais velho, o Dado, hoje um publicitário de renome, adorava o futebol de botão. Nós montávamos gigantescos campeonatos em nossa casa. E, para que tivéssemos um mínimo de realidade, eu comecei a colecionar publicações várias, principalmente da Itália. Ficamos, os dois, especialistas amadores no futebol internacional. Quando o Luciano do Valle, da Band, me convidou a comentar o Calcio, em 84, foi quase fácil, por causa dos arquivos que o Dado eu havíamos amealhado. Mas, eu sempre telefonava pra Bota, em busca das novidades. Isso, numa época em que não existia a Internet e as ligações eram dificílimas. Agora, de novo sem modéstia, eu joguei muita bola. Fui um excelente meia-armador.

L&PM – Seu romance Honra ou Vendetta, publicado em 2001, trata de um assunto que segue extremante atual. Uma história do mesmo universo de Gomorra, um dos grandes best-sellers internacionais do momento. Como surgiu o seu interesse pelo assunto?

Sílvio Lancellotti – Sinceramente, eu não curti Gomorra, nem o livro e nem o filme. Mas, tudo bem, ambos valem pela sua ousadia. Descendo de sulistas, na Itália, de sicilianos e de calabreses, ouvi inúmeras histórias na infância e na adolescência. Tive um tio-avô, Edoardo como o meu pai e o meu primogênito, assassinado, misteriosamente, em São Paulo. A curiosidade fermentou, naturalmente. Desandei a guardar material, artigos, recortes, livros, fitas-cassetes, bem antes dos DVS. Então, nos meados da década de 80, me interessei pela história do “capo” John Gotti. E passei a coletar, de maneira mais organizada, quase profissional, o que podia a respeito da “Cosa Nostra”. Graças a um amigo-irmão, Leonardo Regazzoni, que a Máfia mataria em Palermo, num assalto imbecil, à saída de um hotel, em 86, eu aprimorei os meus contatos e os meus conhecimentos. Foi ele, o Lindy, apelido do Leonardo, quem, em 84, me apresentou ao “super-capo” Giuseppe Bonanno. Outra bola de neve...

L&PM Vê-se claramente no seu livro, que o ficcionista e o jornalista se confundem, às vezes, no que diz respeito ao enorme volume de informações sobre a Máfia e o crime organizado pelo mundo, já que o livro tem “locações” na Itália, Nova York e Brasil. Como o sr. chegou às informações e minúcias que o livro expõe, tanto nas relações entre os personagens mafiosos como na hierarquia e “estatutos” do crime organizado. Como foi o processo de criação desta história?

Sílvio Lancellotti – Como eu já disse, antes mesmo de pensar em Honra ou Vendetta eu já possuía um arquivo fenomenal sobre a “Cosa Nostra”. Originalmente, a minha idéia era fazer uma série de reportagens na Folha. Mas, na medida em que principiei a ampliar o meu material, me bateu a idéia de misturar a realidade e a ficção. Na infância, quando me perguntavam o que eu gostaria de ser, quando crescesse, eu respondia, na lata: “Claro, escritor!”. Já havia lançado livros de gastronomia e de esporte. Mas, a mistura de realidade e de ficção me empolgou, É, a bola de neve...


L&PM Como surgiu a idéia de adaptar Honra ou Vendetta para a televisão?

Sílvio Lancellotti – Fiquei amigo do Lauro César Muniz, a quem já conhecia, eu como jornalista e ele como dramaturgo, ao prestar consultoria a uma saudosa pizzaria de São Paulo, de nome Paisà. Isso, no começo da década de 90. E mostrei ao Lauro pedaços do que seria, bem depois, Honra ou Vendetta. O Lauro gostou, me estimulou. Toquei o livro adiante, fiz uma infinidade de viagens, para entrevistas e para pesquisas, aos EUA e à Itália. Comprei uma tonelada de publicações, de livros, vi uma multidão de filmes. Então, em 2001, já na festa de lançamento de Honra ou Vendetta, o Lauro me disse que o livro daria uma minissérie. Na época, o Lauro ainda estava na Globo. Tentou e retentou, até com o apoio do Daniel Filho e do Roberto Farias. Mas, a Globo preferiu apostar em O Quinto dos Infernos. Num instante em que eu não acreditava mais na possibilidade de uma adaptação, já na Record, de novo a tal bola de neve, o Lauro me reprocurou – e vem aí "Poder Paralelo".

L&PM O sr. está em fase de conclusão do romance Vendetta, só!. Poderia nos adiantar alguma coisa sobre o enredo?

Sílvio Lancellotti – Já terminei o Vendetta, só!. Não sei se é um título perfeito – mas, eu gosto. A idéia da continuação da saga do personagem principal de Honra ou Vendetta, o Tony Castellamare, nasceu da pressão de quem leu e me pediu a seqüência. Em Honra ou Vendetta o Tony elimina todos os seus inimigos, menos um terrorista jordaniano, que escapole das suas garras, após desperdiçar uma grana formidável em um seqüestro fracassado. Em Vendetta, só!, eu simplesmente faço com que o tempo passe, se adiante dez anos, revivo o terrorista e a sua ânsia por se vingar da frustração anterior. E não deixo de combinar a verdade e a ficção. Até mesmo eu introduzo algumas novidades em relação ao crime organizado, como os golpes via Internet pelos estelionatários da Nigéria e como a questão das Tríades da China. E valorizo novos protagonistas, como os filhos de Tony, não nascidos em Honra ou Vendetta. Até o Mossad, o serviço secreto de Israel entra na história...