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Assis Brasil: 'fascina-me o que as pessoas deixam para trás, como seu rastro humano e existencial'

16/07/2010

- Por L&PM Editores

Autor de mais de 15 livros, com títulos publicados na França, Espanha e Portugal, Assis Brasil vive um novo momento editorial. Dez de seus mais famosos títulos, entre eles, Cães da Província e Videiras de Cristal, voltarão às livrarias depois de cinco anos esgotados, a partir de cuidadosas edições da L&PM. Abaixo, a entrevista do escritor para o site da editora.


L&PM – Alguns dos seus primeiros livros, no início da década de 1980, foram publicados pela L&PM. Agora, quase vinte anos depois, praticamente toda a sua obra estará no catálogo da editora. É importante para o senhor ter sua produção publicada por um mesmo selo? Isso fornece alguma unidade à obra?

Assis Brasil – Prefiro assim, concentrar meus livros em praticamente uma única editora, ainda mais quando essa editora é a L&PM, com seu profissionalismo e excelente capilaridade na distribuição. Um único selo favorece, também, o leitor, pois sabe identificar seu escritor com uma editora reconhecida e não tem dificuldade na livraria.


L&PM – A L&PM começa a reedição da sua obra por Manhã transfigurada e Cães da província. Os dois possuem uma forte posição de questionamento da cultura de uma época. No primeiro, a autonomia da mulher, e no segundo, uma discussão sobre loucura. Existe uma espécie de preocupação social na sua obra?

Assis Brasil – Creio que sim, embora não a procure. Talvez isso se deva ao fato de não praticar uma literatura essencialmente intimista, mas uma literatura em que o ser humano está em relação. Uma personagem, mesmo tendo sua interioridade específica, viverá em função de outras personagens, numa teia que nem ela própria conhece em profundidade. Nem o autor, talvez.


L&PM – Cães da Província romanceia a vida de Qorpo-Santo – dramaturgo com uma produção significativa, mas que só teve sua obra reconhecida mais de 100 anos depois. O seu romance, inclusive, foi publicado em 1987, quando ele estava sendo redescoberto. Por que contar essa história e qual a importância do Qorpo-Santo?

Assis Brasil – Não sei dizer exatamente quem era Qorpo-Santo, e creio que ninguém saberá. O que escrevi, entretanto, foi a recriação do imaginário dessa extraordinária personagem, alvo de tantas controvérsias até hoje. Isso me fascina, fascina-me o que as pessoas deixam para trás, como seu rasto humano e existencial. No caso de Qorpo-Santo, há mais do que isso; há uma obra. Desconcertante, curiosa, paradoxal, como o foi seu autor.


L&PM – Os seus romances possuem sempre um pano de fundo histórico. Como é o processo de pesquisa para construir a ambientação da obra? Onde o senhor busca as informações?

Assis Brasil – Meu processo de pesquisa é muito simples: vou à busca dos elementos que estão disponíveis a quaisquer pessoas, mesmo que não sejam historiadoras. A diferença está, talvez, no olho determinado a encontrar algo específico. Mas - isso talvez seja uma decepção para os leitores - não pesquiso muito a fundo. E depois que pesquisei, procuro esquecer tudo, para deixar que a imaginação seja mais importante que a memória. No fundo, não há nada de complexo nem de particularmente trabalhoso.


L&PM – Videiras de cristal, o próximo a voltar às livrarias, apresenta Jacobina Maurer e a saga dos muckers. Ao lado de Concerto campestre e Um quarto de légua em quadro, faz parte dos títulos que foram adaptados para o cinema. Essas versões fazem com que o senhor veja sua obra por uma outra perspectiva?

Assis Brasil – Os cineastas possuem um olhar diferente, talvez mais apto que o do romancista, e por vezes descobrem coisas que não haviam passado à consciência do escritor, mas que estavam ali, latentes, à espera.