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Três livros que formam uma grande história

18/01/2018

- Por Fernanda Scherer

Balzac tinha a pretensão de ir muito além da literatura com a sua A comédia humana. Segundo ele, seus livros na realidade eram “tratados de costumes” que facilitariam a vida dos historiadores do futuro na “compreensão do século XIX”. E ele retratou com a precisão de um sociólogo a Paris dos tempos da restauração da monarquia. Com isso, realizou um verdadeiro mergulho na alma humana. Dizia que, no fundo, Paris se movia por uma busca desenfreada por “ouro e prazer”; “a luta de todos contra todos sob a amável hipocrisia dos salões – o choque feroz de instintos insaciáveis”.

Era uma sociedade transformada inexoravelmente pela revolução de 1789. Em trinta anos viveu um conflito sangrento, uma república, um império e a restauração de uma monarquia saudosista e ineficiente. Era um novo mundo. Uma classe média em ascensão e uma burguesia definitivamente influente transitavam entre velhos aristocratas falidos e novos-ricos em busca de nobreza. Esta tensão se transportava para o Bois de Boulogne, as Tulherias, o hipódromo, a ópera e os salões majestosos dos palacetes de Saint-Germain-des-Prés. Era uma Paris deslumbrante, onde dândis impecavelmente cafajestes contracenavam com condessas de pele alva e olhos mediterrâneos. Balzac foi o cronista desta sociedade em transe. Descreveu as paixões desenfreadas e os brutais jogos de interesses. Falou de ilusões que nasciam e se perdiam num mundo contraditório, que redundava em fortuna para poucos e sofrimento e frustrações para quase todos. Pelo menos assim pensava Honoré de Balzac.

A L&PM Editores, ao reunir em sua coleção de bolso estes três livros, tenta restaurar uma ideia do próprio Balzac que, no turbilhão de sua vida breve, não pode fazê-lo. O pai Goriot, Ilusões perdidas e Esplendores e misérias das cortesãs são, na realidade, um único romance. Na informalidade que o seu realismo lhe concedia, Balzac nos dá claramente esta pista na parte final de seu Esplendores e misérias das cortesãs. Ele escreve: “Jacques Collin (nome verdadeiro de Vautrin, personagem sinistro de O pai Goriot) e sua horrível influência são a coluna vertebral que liga O pai Goriot a Ilusões perdidas e Ilusões perdidas a Esplendores e misérias das cortesãs”. Este personagem teria sido inspirado em Eugène-François Vidocq (1775-1857), uma celebridade da época, que começou a vida como um miserável marginal, galgou vários degraus na sociedade e chegou à temida posição de chefe de polícia de Paris.

Estes volumes respondem a pergunta que sempre é feita por leitores curiosos: “Por onde começar a ler Balzac?”. Embora seja uma pequena fração da gigantesca Comédia Humana, estes três livros se entrelaçam e formam uma história só. E nela está –além dos fundamentos e intenções de A comédia humana – a amostra perfeita da incrível capacidade de fabulação do mestre Honoré de Balzac. 

 

Ivan Pinheiro Machado