Vida & Obra


Arthur Rimbaud

Vinicius de Moraes me disse: “O maior de todos é Rimbaud.” E Vinicius tinha lido tudo, e lido como grande poeta, sabia do que estava falando.

Podem se preferir outros, mas interessa saber por que Vinicius achava isso. Sem dúvida por Rimbaud atingir em geral com imediata facilida­de o lirismo, a metáfora, o real, o patos, além de não temer se expor, revelando uma angús­tia, uma dor, um grito, uma violência rara­men­te expressos com tanto vigor e comuni­ca­­bilidade. Rimbaud não é difícil, é leal e intenso.

O pensamento pode não ser tão singular; de saída, deve muito a Verlaine. O artista está longe de ser impecável. Mas lê-lo é uma ex­periência pes­soal; em momentos, uma vertigem.

A vida de Rimbaud é tão inconvencional que estar a par do que viveu faz entender melhor o que escreveu. É o único poeta precoce, poeta mesmo, da literatura. Já aos dez anos faz uma redação cheia de imagens, vocabulário, energia. Aos doze manda versos em latim para a primeira comunhão do príncipe imperial. Aos treze lhe publi­cam três poemas em latim e outros em francês. Aos dezesseis já pinta o poeta Rimbaud.

Essa precocidade em parte se explica pelo diálogo com amigos literários e em geral também de cama, Georges Izambard, Ernest Delahaye, sobretudo Paul Verlaine. O convívio cotidiano com esse grande poeta fez o garoto inteligente passar a criar a partir da sedimentada problemática estética do outro. Amando e se ferindo, beijando e se afastando, os dois, obcecados pela poe­sia, entram numa verdadeira torrente criativa.

O nome completo é Jean-Nicolas-Arthur Rim­baud e nasce em 1854 em Charleville. Mandava poemas aos autores em voga, com cartas de caráter bajulatório. Verlaine se impressionou: “Vem, querida alma, a gente te aguarda, deseja.” Ele foi. Tinha 17 anos e trouxe a confusão ao lar de Verlaine, casado com bonita moça e mo­rando com os sogros. Rimbaud sai de casa e passam os dias juntos. Viajam, brigam, fazem as pazes; o dinheiro curto torna tudo difícil. Em Bruxelas, Rimbaud avisa que vai se separar. Verlaine se arma e dá um tiro que esfola o punho do companheiro. Verlaine acaba detido e Rimbaud, que não faz nada para isentá-lo, segue via­gem. Julgado, Verlaine pega dois anos de cadeia, mas o mundo não atinge os poetas enquanto tais. Na prisão escreve alguns dos versos que estão entre os mais lidos e influentes de qualquer época. Neles, quer a mulher de volta, quer Rimbaud, quer o perdão da Igreja, quer a embriaguez e a redenção – rasteja, é um espetáculo, com la musique avant toute chose. Rimbaud não fica atrás. Bastante apavorado, começa e em pouco tempo termina Uma temporada no inferno (1873).

É a sua última obra, mas ele, com seus deze­­nove anos, continua forte, bonito e ex­pe­rien­te na intimidade masculina. Voltam a se encontrar e acaba dando no outro uma pau­leira que o deixa caído na rua gelada. Não passasse na ma­dru­­ga­da um bom samaritano e adeus Verlaine. É o fim e não, já que é esse que, anos depois, revelará ao mundo, num ensaio logo clássico, o excepcional da poesia do amigo.

Rimbaud tem projetos, quer ganhar dinheiro, anda de um lado para outro, não raro a pé: Alemanha, Suíça, Itália, Bélgica, as províncias francesas... Na Holanda, se apresenta, em 1876, na seção de recrutamento de Hardewijk, a fim de servir por seis anos no exército colo­nial holandês, ganhando na hora trezentos florins. Dois meses depois chega à Batávia, mas em três semanas deserta... Volta a Charleville para um ar e segue em busca do ouro...

Não houve um abandono tão deliberado da literatura por um grande, como milhares de vezes tem sido mencionado. Suas publicações e livros não tiveram repercussão, o jovem continuou se vendo como um jovem, com o destino aberto. A edi­ção de quinhentos exemplares de Uma tempo­rada no inferno, fora alguns exem­plares enviados a conhecidos pelo autor, depois de sua morte estava ainda na sede da gráfica esperando pelo pagamento... Ele podia se ver como um aventureiro, ambição nunca lhe faltou. Se não supera a tra­dição católica, como Verlaine, e em regra os fran­ceses da época não superam, isso não o impede de tentar mesmo o ilegal. Contudo, pôde ser dado como “um místico em es­tado selvagem” por ninguém menos que Claudel, embora esse puxe brasa para sua sardinha.

Acha emprego na casa Bardey, que comercia peles e café da África, e vai para a sucursal recém-fundada em Harar. Faz o que a firma lhe incumbe, mas age também por conta própria. Explora regiões desconhecidas, com relatórios à Socie­da­de de Geografia, manda vir milhares de fu­zis da Europa para revendê-los ao rei de Choa, Mene­lique. Esse fica com as armas, mas não paga o preço acertado, só o que mal dá para saldar os fornecedores... Mesmo assim, insiste no tráfico de armas, mas o coíbem as proibições da Inglaterra receando a intromissão da França na Abissínia. Em 91, um tumor no joelho o traz de volta à França. A perna é amputada, mas ele segue mal. Morre no fim do ano. Tinha 37 anos.

Trecho de texto introdutório de Paulo Hecker Filho a Uma temporada no inferno (Coleção L&PM Pocket Plus)

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