15/09/2008
- Por L&PM Editores
Edla van Steen, autora de Viver & escrever – livro publicado em três volumes na Coleção L&PM Pocket – conversou com a L&PM Editores sobre uma de suas paixões: a construção da escrita. Nesta entrevista, ela fala sobre o processo de elaboração de Viver & Escrever, obra que reúne 39 depoimentos de grandes nomes da literatura brasileira de diversas gerações.
L&PM – Como você teve a idéia de reunir todos estes depoimentos em um livro?
Edla van Steen – Estava em crise com a minha literatura. E, jantando com Fernando Sabino, ele me confessou que escrevia quatro versões de um simples bilhete. Aquilo me despertou a vontade de saber como outros escritores trabalhavam. Já conhecia o livro do João do Rio, Momento literário, e tinha lido a série Writers at Work, publicada pela editora americana Viking Press e mais tarde editada no Brasil com o nome de Escritores em ação. A série era feita por uma equipe, mas eu resolvi fazer sozinha todas as entrevistas, confiando no conhecimento que eu tinha da obra de muitos dos autores.
L&PM – De que forma você se preparou para as entrevistas que compõem Viver & escrever?
Edla van Steen – Sempre fui uma leitora voraz e capitalizar o que eu conhecia me ajudou muito. Antes de cada encontro, eu reunia a obra – minha biblioteca é bastante boa – e me preparava. Durante muito tempo recortei entrevistas publicadas em jornais, que me ajudaram bastante a não repetir perguntas óbvias. Ao mesmo tempo, achei que as perguntas deveriam ser interessantes para qualquer estudante ou professor.
L&PM – O que foi mais difícil, a preparação das perguntas – e em fazer os autores aceitarem a sua curiosidade – ou na transcrição dos depoimentos?
Edla van Steen – Minha curiosidade era pelo processo da criação literária, quando e como o autor descobrira a vocação, a luta pela sobrevivência, a sua ideologia, suas dificuldades, suas alegrias. Nunca tive a pretensão de discutir com os escritores, que passaram a ser personagens para mim: eu queria saber tudo. A maioria tinha pudor de contar detalhes da infância ou da adolescência, das suas primeiras leituras. Eu ia envolvendo os entrevistados, levava minha máquina de escrever portátil, uma Lettera 22, e datilografava enquanto eles falavam, para que não tivessem dúvidas ou quisessem refazer as respostas. Poucos, muito poucos, preferiram responder por escrito, o que foi o caso de Dyonélio Machado, por exemplo, apesar de eu ter ido à casa dele. Que figura fantástica e carinhosa! Ele respondeu à mão o meu questionário – sim, eu levava sempre as perguntas já formuladas. Às vezes os papos corriam tão soltos, que eu as esquecia.
L&PM – Como preservou o clima natural de diálogo em todas as entrevistas?
Edla van Steen – Tentei sempre manter o tom de conversa, preservando a sintaxe do “personagem”. Alguns já estavam bastante idosos e tinham suas manias, inflexões. Mas quase todos sentiram a minha admiração por suas obras e foram generosos. Algumas entrevistas levaram dois ou três dias, perdíamos muito tempo em conversas paralelas, ou o autor tinha compromissos inadiáveis. Geraldo Ferraz me comoveu. Ele estava lançando o livro de contos Km 63. No meio da conversa, medisse que aquele era um livro póstumo. E, diante do meu espanto, explicou: morri em 62 (ano da morte de Patrícia Galvão, sua primeira mulher, com quem tinha lançado o volume duplo: Doramundo e A famosa revista), e me olhou pedindo cumplicidade. Os vinte anos posteriores, sem ela, não representavam nada para ele.
L&PM – Como foi entrevistar Vinicius de Moraes, Nelson Rodrigues, autores com fama de difíceis (ambos falecidos antes mesmo de o livro ser publicado)?
Edla van Steen – Vinicius bebia o seu abundante uísque e era hóspede de Regina, irmã do ator Raul Cortez. Foi uma entrevista gravada, porque minha máquina portátil estava no conserto. Às vezes, o som do gelo no copo dificultava a compreensão do que o querido poeta falava, dengoso como ele só, divertindo-se com a situação. Eu, acocorada no chão segurando o microfone e ele, meio bêbado, cumprindo a promessa feita. Nelson Rodrigues foi muito simpático. Meu marido [Sábato Magaldi, teórico, crítico teatral e professor] escrevia uma tese sobre Nelson Rodrigues e os dois eram amigos de longa data. Preparei o questionário e pedi ao Nelson que fôssemos para o escritório dele. Não queria entrevistá-lo na frente do estudioso da sua obra. Sábato ficou na sala, conversando com as irmãs do dramaturgo. Datilografei as respostas, meio constrangida, e segui meu questionário, de cabeça baixa, aparentemente atenta ao teclado. Queria ter uma visão do Nelson pessoa.
L&PM – Na apresentação da primeira edição do Viver & escrever – v. 2, você disse que Lygia Fagundes Telles criou seu próprio depoimento.
Edla van Steen – É verdade. Já tínhamos marcado o nosso encontro, quando Paulo Emílio Salles Gomes, seu marido, morreu. Ela estava transida de dor. Como éramos (somos até hoje) amigas, deixei o questionário. Um dia recebi a entrevista pronta, do jeito que ela quis. Deu para mim o que podia, naquele momento.
L&PM – Você conseguiu entrevistas históricas com Cyro dos Anjos, Dias Gomes, Fernando Sabino, João Cabral de Melo Neto, Jorge Amado, Mario Quintana, Rachel de Queiroz, todos esses grandes expoentes da literatura brasileira. Qual te marcou mais?
Edla van Steen – Vários me marcaram muito. Fernando Sabino, por exemplo, era divertido, vivia contando piada, vendo graça em tudo. Gosto especialmente de ter registrado o seguinte: “O artista, no momento da criação, em geral, é um ser tão indefeso, tão possuído, tão entregue, tão dominado pelo que está fazendo que pode ser comparado ao homem e à mulher no ato do amor. Imagine se a gente vai pensar: agora eu fico nesta posição, passo o braço aqui, ponho a perna ali, viro a cabeça assim. Não dá. Tem que ser espontâneo, o que der e vier, tudo pode acontecer. É evidente que a gente vai ganhando certa prática, certa experiência em ambos os casos. E pode aprimorar-se com o aprendizado”. Todos os autores me marcaram. Talvez João Cabral de Melo Neto, com sua voz estridente, cheio de cacoetes de expressão – repetia “compreende?” sem parar – tivesse me impressionado mais. Era o oposto do que eu imaginara. Cyro, Dias Gomes, Rachel, Jorge Amado e Mario Quintana eu já conhecia.
L&PM – Quem você entrevistaria hoje?
Edla van Steen – Sinceramente, eu teria curiosidade de conhecer pelo menos uns cinqüenta autores. Gosto tanto do que eles escrevem... Como disse a Rachel de Queiroz, “a profissionalização faz a gente perder a inocência”. Atualmente, os dias são poucos para tanto trabalho. Dirijo oito coleções literárias e o tempo é curto para escrever meus próprios livros.
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