06/07/2010
- Por L&PM Editores
Roberto Piva se foi aos 72 anos. Em 1985, a L&PM publicou na Coleção Olho da Rua, sua Antologia Poética. Nela, estão reunidos seus versos mais pungentes, entre eles, o poema de alma beat Paranóia em Astrakan. Nas últimas páginas da edição já esgotada, Piva escreveu uma pequena autobiografia que reproduzimos, em parte, aqui. Para que assim todos possam conhecer um pouco desse poeta que, na década de 1960, foi chamado de “profeta da desordem”. Roberto Piva morreu no último sábado, 3 de julho, em São Paulo. Sofria de Mal de Parkison, estava internado no Instituto do Coração desde o dia 13 de maio e, durante a internação, acabou descobrindo um câncer de próstata. Em homenagem a ele, também publicamos em nosso blog um texto especialmente escrito por Claudio Willer.
"Nasci na maternidade Pró-Matre no coração de São Paulo há 46 anos. Piva é um antigo nome de Veneto (Itália do Norte). Meu avô era de Saleto, perto de Rovigo. O Livro da Família, que tinha lá em casa, conta a história de um antepassado cavaleiro que combateu nas Cruzadas. (...) Mas em matéria de revolta eu não preciso de antepassados. A minha vida & poesia tem sido uma permanente insurreição contra todas as Ordens. Sou uma sensibilidade antiautoritária atuante. Prisões, desemprego permanente, epifanias, estudo das línguas, LSD, cogumelos sagrados, embalos, jazz, rock, paixões, delírios & todos os boys. O cinema holandês informará. (...) Pasolini começou a contagem regressiva do nosso planeta a partir do desaparecimento dos vagalumes na Itália. Eu poderia começar a mesma contagem regressiva a partir do desconhecimento & desaparecimento da abelha Jataí no Brasil. Acredito que, para a defesa do nosso planeta, as melhores ideias, como disse Edgar Morin, são as ideias “biodeagradaveis”. Uma tarde, numa ilha esquecida do litoral sul de São Paulo, um garoto com olhos de Afrodite me perguntou no que eu acreditava. Respondi: Amor, Poesia & Liberdade. E nos Óvnis também.”
ROBERTO PIVA
Iguape (SP) Fevereiro de 85
Hora Cósmica do Leopardo
Paranóia em Astrakan
Eu vi uma linda cidade cujo nome esqueci
onde anjos surdos percorrem as madrugadas tingindo
seus olhos com lágrimas invulneráveis
onde as crianças católicas oferecem limões para
pequenos paquidermes que saem escondidos das tocas
onde adolescentes maravilhosos fecham seus cérebros
para os telhados estéreis e incendeiam internatos
onde manifestos nihilistas distribuindo pensamentos
furiosos puxam a descarga sobre o mundo
onde um anjo de fogo ilumina os cemitérios em
festa e a noite caminha no seu hálito
onde o sono de verão me tomou por louco e decapitei
o Outono de sua última janela
onde o nosso desprezo fez nascer uma lua
inesperada no horizonte branco
onde um espaço de mãos vermelhas ilumina aquela
fotografia de peixe escurecendo a página
onde borboletas de zinco devoram as góticas
hemorróidas das beatas
onde as cartas reclamam drinks de emergência
para lindos tornozelos arranhados
onde os mortos se fixam na noite e uivam por
um punhado de fracas penas
onde a cabeça é uma bola digerindo os aquários
desordenados da imaginação
Nós usamos cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar a sua experiência em nossos serviços, personalizar publicidade e recomendar conteúdo de seu interesse. Ao utilizar nossos serviços, você concorda com tal monitoramento. Leia nossa política de privacidade